terça-feira, 19 de abril de 2011

UMA CAPIAU NUM CONGRESSO INTERNACIONAL NO VELHO MUNDO....


    Convidada para participar no I Congresso Luso-Brasileiro de Psicanálise em Lisboa, e com um convite engavetado para apresentar minha monografia sobre Suicídio, no Centro de Estudos Sobre Suicídio no Hospital Santa Maria.
    Aliado ao fato que tinha acabado de sofrer uma perda, que acarretaria novos desafios na minha vida. Um apartamento da prima montado e fechado em Lisboa, uma outra prima aeromoça da VARIG, que conseguiria a passagem a um preço inimaginável.
    Ainda assim, com tudo a favor hesitei. Até que a prima, a da hospedagem, foi firme: “ ta maluca? Vá em frente!” Foi decisivo.
     Malas prontas, uma mochila de coragem, uma frasqueira de atrevimento.
     Como a passagem era promocional, tinha que me sujeitar a vaga no vôo. Portanto, não podia marcar nada antecipadamente.
      No apagar das luzes da VARIG, tive que ir logo ali primeiro em Madrid p/ chegar a Lisboa.
      Desembarco em Madrid, nada reservado, uma sugestão de hotel, dinheiro curto, metro, sobe escada, desce escada, sobe escada, rua. Nooossa...ao subir a escada do metro que maravilha! Que rua linda. As luminárias que requinte, ando olhando deslumbrada e yes! O hotel desejado no quarteirão da estação em que desci. Bingo!
      Me hospedo, dois dias inesquecíveis em Madrid. Cidade pulsante, gente a toda hora, gente bonita e jovem, docerias incríveis, ainda bem que Niterói não tem! Deus sabe o que faz! E o mais marcante em Madrid, as rosas...o que é aquilo? Canteiros por todo lado de rosas de todas as cores, uma profusão, um abuso, um escândalo de rosas, rosas e rosas...
      Moderninha, compra a passagem pela internet para Lisboa e yes! Dá certo!
      Lisboa, vencida pelo cansaço pego um táxi no aeroporto, um motorista fóbico, louco e ladrão me leva a Montijo. Ponte linda.
      Que emoção pisar aonde minha família se originou, onde homens corajosos e suicidas se aventuraram no mar, o mar de Pessoa..., mar de lágrimas de esposas e mães...ah...o mar tem vida...o vento é seu cúmplice, traz essa vida nos renovando.
       Quem sabe fincar pé aqui e deixar o choro além mar? Talvez no Hospital Santa Maria se gostarem de mim, me contratem... No Congresso não...não é ali que deposito minhas esperanças de apagar uma parte de minha vida.
        Hospital Santa Maria lá vamos nós. Botei uma linda blusa branca, saia preta, meias e sapatos pretos, sorriso e a tese, claro.
        Uma platéia talvez de umas 30 pessoas? Sou ruim nessas estimativas. Um coffe break, é estavam me esperando. Na apresentação enfatizaram o fato de ser sanitarista pela FIOCRUZ, fato não muito importante pra mim, e pouca ao fato de ser psicanalista filiada a IPA, esse sim um título a custo de muito desejo e investimento.
       Apresento o trabalho para uma platéia atenta, abre-se o debate, algumas colocações, nada significativo, nem nada que me deixe sem resposta, mas nenhum rosto embevecido,
Ou encantado com o que ouviram. Senti: nada aconteceu.
       Me convidaram  para almoçar . Simpáticos, só. Já estava tudo no protocolo...Nem um convite, nenhuma sondagem, nenhum desejo de intercâmbio científico.
       Volto para Montijo pesando mais de 100kg, estavam ali minha carcaça, meu desamparo, minha viuvez, filhos a criar sozinha, e decepção.
       Decepção que contaminou a expectativa da performance no Congresso.
       Mas antes do Congresso fui encontrar O., ah...Ortiz, meu amigo, tínhamos 15 anos e todas as possibilidades da vida pela frente... O. casou, descasou. Largou tudo e veio ser arquiteto em Lisboa, agora está casado com uma francesa, tem dois filhos, e um restaurante . Era isso que eu queria, ser O., deixar a tristeza lá depois de um imenso mar.
     Janto no restaurante com eles e passo o domingo na casa deles. Sua esposa foi um presente que meu amigo sempre mereceu, moça linda e fadada a sorrir. Os filhos,,,o menininho, nos apaixonamos, ele tem 4 anos, quis arrumar a mala para vir comigo para desespero da mãe. Sempre que lembro dele me emociono, estava triste e ele é fofo como um ursinho que acompanha quem tem medo ou solidão... gostosinho...
     Talvez esse dia com a família do O. tenha sido um band-aid nas feridas.
      Dia do Congresso, aliás na véspera havia uma comemoração social que não fui.
      Pensei se a inscrição for cara, dou meia volta e não fico. Chego, pergunto quanto é a inscrição, a moça me pergunta quem sou; e diz: “ a sra. Não paga, é convidada, participará da mesa.” Olho o programa e vejo : 4 mesas, a minha é a última. E na minha está o Pedro Luzes, um dos desbravadores da psicanálise em Portugal, “kararra” que honra sentar ao lado dele! É quase um emissário de Freud! YEs! Meus deus eu li sobre esse homem há 1 mês atrás no Brasil, tenho que me lembrar! Isis! Meu deus?! O que eu li sobre a História da Psicanálise em Portugal? Idiota! Só pensou no "Suicídio"! Lembra cacete! Lembrei! Tudo começa com Egas Moniz, depois Cid Sobral neurologistas, e tchan! Pedro Luzes, ai...e Portugal e Espanha tiveram um percurso diferente dos outros países da Europa, o desenvolvimento da psicanálise ficou prejudicado por conta das ditaduras de Franco e Salazar, diferentemente das ditaduras latinos americanas, onde a psicanálise se desenvolveu a despeito da falta de liberdade, condição indispensável para a psicanálise. LEMBREI!
       Primeira mesa, ao contrário da roupa p/ o Santa Maria optei por algo chique mais confortável que me permitisse percorrer longas distâncias a pé. Estava com uma blusa de linha preta, calça de linha preta, colar de madrepérolas, sapatênis branco/verde/azul e tchan...minhas indefectíveis meinhas ( tenho uma coleção hilária: elefantes, rinocerontes, vaquinhas) mas sob as calças não apareciam. A desse dia era branca com corações rosas e cupidos. Rsrssss  sentei para ouvir a primeira mesa e ver o nível do povo. Ao meu lado na platéia, um homem de terno/gravata, depois fui saber era nada menos, nada mais que o Presidente da Asociação Brasileira de Psicanálise. Sentada, prestando atenção, cruzei a perna, ahhh a meinha apareceu. Um calafrio...o Dr. ao lado deve ter pensado: quem é essa retardada? Será portuguesa? Brasileira?
     Segunda mesa me pirulitei, fui comprar uma roupa que tinha visto, e como ia embora dia seguinte seria: ou now ou never! Correndo p/ chegar a tempo.
      Minha mesa: uma portuguesa, dois brasileiros e...O Pedro! , os brasileiros fizeram um retrospecto interessante. Então o Pedro Luzes, que eu já tinha marcado na apresentação, contou a história da psicanálise, mas quando chegou nele foi modesto. Ele estava a minha direita. Quando ele terminou, falei assim:
Ahh...não! você foi muito modesto, eu vou melhorar isso! Viro para a platéia e digo o seguinte: Egas Moniz introduziu a psicanálise em Portugal, ao contrário de Freud que teve tantas resistências as suas idéias, Egas Moniz que dá nome a essa avenida aqui na cidade universitária, teve uma grande acolhida pelos portugueses, foi contemporâneo de Freud e lançou um livro sobre sexualidade na década de 20 que foi best seller chegando a ter 10 edições, depois dele veio Cid Sobral, mas ambos recuaram para a neurologia quando o regime político mudou.( os portugueses não sabiam...) E esse homem aqui ao meu lado, não recuou. A despeito da ditadura e da dificuldade em exercer a psicanálise continuou em sua trincheira. Eu como psicanalista, como cidadã brasileira e portuguesa me sinto honrada de partilhar a mesa com uma figura dessa importância para a psicanálise, não só a de Portugal, mas a Psicanálise.
   Fui aplaudida, bastante, rsrsss
   E o presidente da associação( o da platéia/meia) que agora estava na ultima fila na platéia, parte em minha direção e pergunta: “ quem é vc?” Isis-quem é vc e de onde?- isis, de niterói,]
De que sociedade? -Ah...da Rio 1. Estende a mão e diz: “meus parabéns! Que bom alguém lembrou de homenagear o Pedro Luzes” . Depois de mais uns cumprimentos, vou ao wc, lá fora um paulista reunido a um grupo me olhando pergunta:” a sra. É de Lisboa mesmo ou de outra cidade daqui?”- Eu: o sr. Está perguntando isso por conta do meu sotaque, ou do meu bigode? ( vc sabe que as portuguesas são famosas pelo espesso buço)
Ele atônito: “ah???” eu: meu amigo, sou brasileira, moro em niterói...ele”:mas a sra. Disse como cidadã portuguesa, e algumas nem tem tanto sotaque...( acho que ele pensou que estudei português do Brasil, rsrsss) então expliquei: eu disse cidadã brasileira e
Portuguesa.
  Não me livrei das dores como o O., mas voltei fortalecida para ser pai e mãe, e tocar minha vida. Obrigada Portugal...ora pá!

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