quarta-feira, 20 de julho de 2011

Correspondência...

        

     As cartas trocadas entre Freud e Fliess provavelmente, constituem, isoladamente, o grupo de documentos mais importantes da história da psicanálise.
     Foram 17 anos de correspondência.Nela Freud revela abertamente e com detalhes os processos de raciocínio que conduziram a suas descobertas.
     Com a morte de Fliess, sua esposa Ida tenta reaver as cartas em poder de Freud, mas não consegue e vende as cartas que possue a um comerciante, que por sua vez as vende a princesa Marie Bonaparte, grande amiga de Freud, que lhe escreve avisando que tem as cartas em seu poder e pergunta ao amigo que destino dar as mesmas. Freud lhe responde: “ nossa correspondência foi a mais íntima que você possa imaginar. Seria altamente embaraçoso que viesse a cair nas mãos de estranhos. Assim, é uma extraordinária obra de amor que você as tenha conseguido e livrado do perigo. Lamento apenas a despesa que teve. Posso oferecer-me para dividir  a metade do custo com você?”
     Resposta de Marie:” Minha idéia é a seguinte: adquirir as cartas, para que não sejam publicadas por qualquer pessoa, e conservá-las por alguns anos, por exemplo, numa biblioteca nacional- em Genebra, digamos onde há menos razões para temermos revoluções ou os riscos de uma guerra- com a estipulação que não sejam examinadas  durante oitenta ou cem anos após sua morte. Quem poderia então ser prejudicado, mesmo sua própria família, caso haja alguma coisa nas cartas? “
     Um mês depois Marie a Freud:
     “Quero tranquilizá-lo de imediato quanto às cartas a Fliess. Apesar de ainda estarem na Alemanha, já não se encontram em poder da “bruxa” ( Ida Fliess) e já pertencem ao Sr. Stahl, que as comprou dela”.
     Quando Hitler invadiu a Áustria em março, havia o perigo de que o banco judeu, onde estavam as cartas, fosse saqueado,  Marie dirigiu-se a Viena, onde, por ser Princesa da Grécia e da Dinamarca, foi-lhe permitido retirar o conteúdo de seu cofre particular na presença da Gestapo; com toda certeza, eles teriam destruído a correspondência, caso a tivessem descoberto... Quando ela teve que deixar Paris, então prestes a ser invadida, e rumar para a Grécia, em fevereiro de 1941, depositou os preciosos documentos na Legião Dinamarquesa de Paris. Esse não era o lugar mais seguro, mas ....Paris, juntamente com a Legião Dinamarquesa, foi poupada.
     Depois de sobreviver a todos esses perigos, as cartas enfrentaram bravamente o quinto e último deles, representado pelas minas colocadas no Canal da Mancha, e assim chegaram a Londres em segurança; tinham sido embrulhadas em material impermeável, capaz de flutuar, para que tivessem uma chance de ser resgatadas, na eventualidade de um naufrágio.
     A saga das cartas se iniciou em janeiro de 1937 e só no final da década de 40 as cartas foram entregues a Anna Freud.
     As cartas agoram aportam em Niterói, e lhes faço o convite para através delas mergulharmos no universo freudiano. Na vida e na obra  desse homem com suas humanidades e genialidades. Através das cartas, compreendermos um pouco mais do que há de singular no ser humano que é o Inconsciente, que com toda sua riqueza e também maldição muitas vezes nos faz sentir tão distantes  do que queremos ser, e do que constatamos ser. Proponho uma viagem nas cartas...

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Niterói a Cabo Frio-relato





Araribóia empunhando uma tocha explodiu o paiol de pólvora dos franceses, abrindo caminho para os portugueses.
 Conta a lenda, que ele teria atravessado as águas da baía a nado para liderar o assalto aos franceses. Pelos seus feitos, Araribóia recebeu da Coroa Portuguesa.a terra que hoje se chama Niterói.
Até aqui História, a partir daqui estória...
Ou seja, Ronaldo a partir de seu prazer com caminhadas, com História, com sua vinculação com saúde seja física, seja mental reúne um grupo (tarefa nada fácil) e realiza a façanha do Caminho de Araribóia pela primeira vez em 2006.Estamos na 3°edição, participei da primeira. Apesar do ballet, do jazz, há muito não era o que se imagina de uma atleta. Assim mesmo topei o desafio, me matriculei numa academia; exercícios aeróbicos (que detesto) e uma ansiedade se daria pé, ou se teria pés, pernas, coração para chegar ao destino.
No primeiro dia certo desespero, e se enfartasse ali? Afinal, minha experiência com esse assunto não era das melhores... Meu marido, grande atleta, ex-recordista sul americano de natação, corredor contumaz, campeão de: squash, seleção de volley, basquete, nunca fumou, nunca bebeu, enfartou aos 40! Por que eu sem as condições dele estaria imune? E aquela frase: mente sã em corpo são? Será que eu com meus tantos anos de análise não poderia ser uma cobra subversiva da tempestade tal Araribóia e provar o contrário? Corpo são em mente sã! É...talvez seja isso: cheguei viva! Nas horas de cansaço eu e Emília usávamos o que o bom Winnicott nos ensinou: to play! Humor nas adversidades! E ríamos... Quanto maior o desespero e cansaço, maiores os ataques de riso, gargalhadas de meter medo ao estado das calças, e ao olfato.
Chegamos. YES! Amanhecer em casa após essa experiência foi a outra novidade.
Após 3 dias ausente, quando abri os olhos, parecia que estava fora meses, a rotina era longínqua, a mente completamente relaxada e limpa.
3° Edição, novamente minha fiel escudeira, ou seria eu dela? Pegamos o ônibus no encalço dos mais bravos que começaram antes. Na descida re-conhecemos: Mary e Alessandro, jantamos e partimos para descobrir aonde era a toca da pousada. Mas ali, já éramos velhos camaradas, difícil qualquer coisa nos abater... entra aqui, entra acolá, nada de pousada...já imaginando um caído por cima do outro sobre as mochilas em alguma esquina. Achamos! Lá fomos recebidos por uma Hostess... que "meu jesuizinho cristo!"
Que flor! Não sei a hora certa... Mas as pessoas que estavam na pousada vinham de uma longa caminhada, isso geralmente significa: dormir com as galinhas! 9hs costuma ser madrugada. A enfurecida hostess, dizia: não há um quarto para vocês porque quem chegou antes não quis saber de preencher as vagas e deixar quarto para quem chegasse depois. Querendo solucionar o problema a maneira dela... ia socando as portas para colocar cada um de nós 4,nessa altura com cara de "babaca"( sorry, não há melhor tradução) nos quartos de quem já dormia. Enfim, uma alma, esqueci o nome... Sei que ele tem um cavalo marinho no pé, ofereceu um lugar para Alessandro em seu quarto, e as 3 meninas ficaram num quarto "prive" ao lado da cozinha, o que foi muito apropriado porque pudemos nos arrumar sem constrangimento com quem já estava dormindo, e rirmos muito daqueles momentos. Porque não faltou piada... Tipo: The Hostess disse:separamos, mulheres num quarto, homens nos outros. Agora tem ali um com uma cama de casal, e uma de solteiro, como vou colocar vocês numa cama de casal? Eu: ah querida! Bem pelo visto das acomodações isso aqui é uma pousada GLS, então? Qual o problema de eu dormir com essa baixinha aqui, nessa altura eu já abraçava Emília (que estava de olhos arregalados, que se não me conhecesse já teria corrido). Continuando para a hostess: já nos conhecemos bem... Podemos dormir juntinhas...deixa esse quarto para nós 3, e deixa o povo dormir. Nessa hora Mary muito ponderada intervém com a hostess, vale lembrar que Mary é educadora, fala: minha filha fala baixo, você vai acordar as pessoas que estão dormindo! A hostess acrescenta: fico com raiva e não esqueço!
Eu intervenho: pois eu não, minha cútis é esse espetáculo aos 76 anos porque não me aporrinho com nada. Olhos cerrados, assunto encerrado.
Caminhada: excelente notícia: não vamos precisar levar as mochilas. Primeira prova que Deus existe e é bom! Ah... E deus teve uma ajuda de Rosaura e Ronaldo nessa decisão claro!
Caminhada... Que beleza... Marzão azul, areia fofa branca, céu azul. O grupinho sem teto da véspera permaneceu... Caminha... Caminha...caminha....começa a dorzinha no quadril, aquela que parece que falta cola entre tronco e pernas...os ossinhos da coluna parecem que resolveram brigar de gato espremido. Um pit-stop...caminha...caminha...mais um pit-stop, nessa altura, a bolsinha Prada que se dane...a calça de espelhinhos Lenny que vá para o lixo, sentamos, ah...deitamos...nos abandonamos na areia, inteiramente deitadas com todas aquelas partes do corpo que antes brigavam e que após alguns segundos em contato com a areia se apaziguam, se unem, se alegram. Penso: Isso é felicidade! Poder deitar olhar o céu, não sentir nenhuma dor, descansar, a vida é bárbara. Como é bom poder dar valor a pequenos prazeres como tirar o sapato? Fazer xixi, deitar sobre a areia, Ah Emília a idéia de sentar foi sua! Obrigada!
Seguimos... Olho de longe e vejo Ronaldo tomando banho de mar. YES YES! Apresso-me em chegar e fazer o mesmo, sempre acreditei numa coisa: adoro banho, mas os de chuveiro, mangueira, banheira, só lavam o corpo. O de mar lava a alma... São fundamentais! Como algumas pessoas podem viver sem isso? De novo, obrigada meu deus! (ah... não pratico nenhuma religião, é bom lembrar, já que falo tanto com deus!)
Depois de 20 km de areia, chegamos a um quiosque opções do cardápio: Pepsi no ligth de 2 litros, hummm mais tinha guaraná antártica! Ali ficou decidido: os intrépidos seguiriam pela areia, depois de se abastecerem de água, os mais... Mais..ajuizados? Não achei a palavra, seguiriam pelo asfalto apesar da distância ser maior, o corpo seria menos exigido.
Eu como fiz uma escolha errada: não fiz esse trajeto nem com tênis, nem com papete, fiz com sapatilha náutica, me ferrei! Os dedos dobraram, ainda não sei se só vou perder duas unhas, ou se tem uma infecção. Peguei um ônibus eu confesso, não daria nem cinco passos nem que fosse para levar um beijo do Brad Pitt.
No ônibus o comentário das pessoas, o lugar se chama Figueira, era um só: os loucos que vinham a pé de Niterói. Fui identificada, talvez pelo frescor do rosto, pelas roupas sujas, ou pelo cajado... Desci do ônibus, e quando esse partia, um filho de uma mãe respeitável gritou pela janela: "preguiçosa". Desde então, não sei por que penso na mãe dele, como deve ser uma senhora amada...
> Enfim a pousada! Um banho, sabonete, meus queridos óleos, cremes. Levei quatro nécessaire, duro era descobrir o que estava onde, da próxima vez vou ter que levar um index, muita nécessaire, e dessa vez pouca roupa, tive que repetir os modelitos com freqüência!Ah... Esse dia sem stress com hostess ou quartos, dormimos os quatro no mesmo.
E o hostess super solícito preparou uma linda moqueca. Passeamos pela cidade, apreciamos seus mercadinhos, vendas, biroscas e voltamos para dormir. Um papo filosófico e empresarial com Alessandro, ah.. Ele tinha dito que odeia ronco, dos quatro foi o único que roncou. Homem falso!
Última caminhada bela praia, depois surpreendidos pelo RJTV que entrevistou nosso mestre. Chegada em Arraial. Vi a Prainha lugar povoado de estória... Passei minha infância naquela praia, quando a casa que alugávamos era a única do lugar, via bandos  de pássaros, deitava na beira d'água, tinha uns 8 anos e a praia era minha, minha família, tias, primas, e principalmente meu pai, que sempre agregou todos, como o Ronaldo de uma forma diferente faz agora. Engraçado, que justo neste percurso tivemos uma conversa tão afetuosa, não devia contar, mas... vou, eu dizia: Ronaldo parabéns por mais essa façanha! É tão difícil reunir gregos e troianos, e você vem conseguindo isso de forma alegre e gentil. Parabéns e obrigada. Ele retribuiu, dizendo algo como eu era uma pessoa que incentivava. Só isso Ronaldo: essas palavras trocadas foram num lugar especial para mim.
Entramos na Álcalis, mais uma lembrança querida, a casa de uma amiga onde passei grandes momentos da adolescência.
Praia do Pontal, nessa época da adolescência era uma praia virgem, tomávamos banho nuas lá, éramos virgem como a praia, era uma grande transgressão, apesar de só tirarmos o biquíni dentro d'agua.
Caminhada então a reta final, mas ali se vê a reta final. Paria do Pontal, Foguete, Forte e a placa de chegada. Todos felizes, Mary, Emília eu e Alessandro fomos os últimos. Aliás, eu e Alessandro éramos os últimos até que ele, que é maratonista me fez a seguinte proposta indecente ao avistarmos Mary e Emília:Vamos passar correndo por elas, como se não tivéssemos visto e deixa-las para trás. Ao nos aproximarmos, comecemos a correr, mas ao pensar no absurdo da situação tive uma crise de riso que se desse mais uma passo chegaria de xixi até o pé, resolvi parar antes de virar persona non grata.
Chegamos. Um banho na pousada e uma feijoada.
Detalhe importante: todas minhas refeições foram partilhadas com: Emília, Mary e Alessandro, que são testemunhas de que fui quem comi menos! 50 km de areia, resultado?
Mais 2 kg!
Explica...
Tirante isso como diria meu pedreiro, amei!
Beijos e obrigada a R&R ( Ronaldo e Rosaura), aos meus parceiros inseparáveis fiéis nas deitadas de chão, nas massagens, no compartilhamento de rações e água. E a todos os Araris que matam a cobra e mostram o pau!
Beijos, beijos, beijos
 Isis

terça-feira, 10 de maio de 2011




                                                                 

                                                                   O  TEMPO


O que é o tempo?
Aciono o cronômetro da marcação zero até meu dedo apertar o cronômetro, nesse breve instante apreendo o tempo. Tenho a ilusão que dominei esse instante.
Sem um cronômetro o que é o tempo?
É o instante zero de minha vida, a hora que recebo uma palmada e choro, ao momento zero de minha existência onde paro de respirar. Esse foi o meu tempo mensurável.
Mas percebo que quando tinha 4 anos, 5 minutos tinham uma duração diferente da que tem agora. O que aconteceu?
Por que as coisas, moradias, ruas, pessoas, geladeiras, carros pareciam mais eternos do que agora? Comprava-se uma geladeira para durar toda vida. Agora tenho que levar em conta o tempo de garantia, porque pode ser essa minha segurança de ter essa geladeira.
Ou seja, não há consistência, segurança, garantia na matéria?
O modelo do computador ficou obsoleto! O que houve com a concretude das coisas?
A velocidade da tecnologia, da informação fez com que a concretude da matéria, agora perpassada pelo tempo perdesse sua propriedade, e fez com que: “tudo que é sólido se desmanche no ar.”.
Se nem a velha e sólida geladeira passou a ser confiável, e as relações? Casamento até que a morte os separe? O que é isso? Ficou num casamento que não traz um êxtase permanente? A mídia mostra pessoas lindas, siliconadas, que” são felizes” e que se casam quantas vezes se fizer necessário.
Estou reacionária? Não, não sou a favor de casamentos doentes, mas também não sou favorável a intolerância.
Porque essa mudança do sólido para o líquido, essa fluidez gera ansiedade, impotência. Há um esvaziamento do singular, do humano para o privilégio da imagem.
A mulher símbolo de beleza em todos os tempos, que antes podia ser: loura, morena, “cadeiruda”... Era o tempo onde a frase” o que seria do amarelo se todos gostassem do verde?”, tinha sentido, hoje a tentativa é abolir as diferenças!
A mulher hoje é loura, cabelos lonos, lisos, olhos azuis, corpo marcado com músculos cibernéticos, peitos, et..plastificados, a mulher botóx contemporânea, nega o efeito do tempo, como se fugisse do dedo no cronômetro que um dia marcará o angustiante” the end”.
Nessa corrida para não se tornar obsoleto o ser humano sofre para atender demandas que não lhe são naturais, características, vivendo uma solidão jamais vista em tempo algum.
Mas nem tudo está perdido! O homem possui uma força mortal, Tanatos, mas também possue eros dentro de si.
E Eros numa resposta ao sentido descartável e destruidor, fez com que os homens mais do que nunca registrassem sua história, a valorização dos museus, lugar onde “se conserva” o tempo, e uma maior preocupação ecológica. Se essa velocidade torna tudo obsoleto, como cuidar de nossa terra?
Isis Figueiredo

terça-feira, 19 de abril de 2011

UMA CAPIAU NUM CONGRESSO INTERNACIONAL NO VELHO MUNDO....


    Convidada para participar no I Congresso Luso-Brasileiro de Psicanálise em Lisboa, e com um convite engavetado para apresentar minha monografia sobre Suicídio, no Centro de Estudos Sobre Suicídio no Hospital Santa Maria.
    Aliado ao fato que tinha acabado de sofrer uma perda, que acarretaria novos desafios na minha vida. Um apartamento da prima montado e fechado em Lisboa, uma outra prima aeromoça da VARIG, que conseguiria a passagem a um preço inimaginável.
    Ainda assim, com tudo a favor hesitei. Até que a prima, a da hospedagem, foi firme: “ ta maluca? Vá em frente!” Foi decisivo.
     Malas prontas, uma mochila de coragem, uma frasqueira de atrevimento.
     Como a passagem era promocional, tinha que me sujeitar a vaga no vôo. Portanto, não podia marcar nada antecipadamente.
      No apagar das luzes da VARIG, tive que ir logo ali primeiro em Madrid p/ chegar a Lisboa.
      Desembarco em Madrid, nada reservado, uma sugestão de hotel, dinheiro curto, metro, sobe escada, desce escada, sobe escada, rua. Nooossa...ao subir a escada do metro que maravilha! Que rua linda. As luminárias que requinte, ando olhando deslumbrada e yes! O hotel desejado no quarteirão da estação em que desci. Bingo!
      Me hospedo, dois dias inesquecíveis em Madrid. Cidade pulsante, gente a toda hora, gente bonita e jovem, docerias incríveis, ainda bem que Niterói não tem! Deus sabe o que faz! E o mais marcante em Madrid, as rosas...o que é aquilo? Canteiros por todo lado de rosas de todas as cores, uma profusão, um abuso, um escândalo de rosas, rosas e rosas...
      Moderninha, compra a passagem pela internet para Lisboa e yes! Dá certo!
      Lisboa, vencida pelo cansaço pego um táxi no aeroporto, um motorista fóbico, louco e ladrão me leva a Montijo. Ponte linda.
      Que emoção pisar aonde minha família se originou, onde homens corajosos e suicidas se aventuraram no mar, o mar de Pessoa..., mar de lágrimas de esposas e mães...ah...o mar tem vida...o vento é seu cúmplice, traz essa vida nos renovando.
       Quem sabe fincar pé aqui e deixar o choro além mar? Talvez no Hospital Santa Maria se gostarem de mim, me contratem... No Congresso não...não é ali que deposito minhas esperanças de apagar uma parte de minha vida.
        Hospital Santa Maria lá vamos nós. Botei uma linda blusa branca, saia preta, meias e sapatos pretos, sorriso e a tese, claro.
        Uma platéia talvez de umas 30 pessoas? Sou ruim nessas estimativas. Um coffe break, é estavam me esperando. Na apresentação enfatizaram o fato de ser sanitarista pela FIOCRUZ, fato não muito importante pra mim, e pouca ao fato de ser psicanalista filiada a IPA, esse sim um título a custo de muito desejo e investimento.
       Apresento o trabalho para uma platéia atenta, abre-se o debate, algumas colocações, nada significativo, nem nada que me deixe sem resposta, mas nenhum rosto embevecido,
Ou encantado com o que ouviram. Senti: nada aconteceu.
       Me convidaram  para almoçar . Simpáticos, só. Já estava tudo no protocolo...Nem um convite, nenhuma sondagem, nenhum desejo de intercâmbio científico.
       Volto para Montijo pesando mais de 100kg, estavam ali minha carcaça, meu desamparo, minha viuvez, filhos a criar sozinha, e decepção.
       Decepção que contaminou a expectativa da performance no Congresso.
       Mas antes do Congresso fui encontrar O., ah...Ortiz, meu amigo, tínhamos 15 anos e todas as possibilidades da vida pela frente... O. casou, descasou. Largou tudo e veio ser arquiteto em Lisboa, agora está casado com uma francesa, tem dois filhos, e um restaurante . Era isso que eu queria, ser O., deixar a tristeza lá depois de um imenso mar.
     Janto no restaurante com eles e passo o domingo na casa deles. Sua esposa foi um presente que meu amigo sempre mereceu, moça linda e fadada a sorrir. Os filhos,,,o menininho, nos apaixonamos, ele tem 4 anos, quis arrumar a mala para vir comigo para desespero da mãe. Sempre que lembro dele me emociono, estava triste e ele é fofo como um ursinho que acompanha quem tem medo ou solidão... gostosinho...
     Talvez esse dia com a família do O. tenha sido um band-aid nas feridas.
      Dia do Congresso, aliás na véspera havia uma comemoração social que não fui.
      Pensei se a inscrição for cara, dou meia volta e não fico. Chego, pergunto quanto é a inscrição, a moça me pergunta quem sou; e diz: “ a sra. Não paga, é convidada, participará da mesa.” Olho o programa e vejo : 4 mesas, a minha é a última. E na minha está o Pedro Luzes, um dos desbravadores da psicanálise em Portugal, “kararra” que honra sentar ao lado dele! É quase um emissário de Freud! YEs! Meus deus eu li sobre esse homem há 1 mês atrás no Brasil, tenho que me lembrar! Isis! Meu deus?! O que eu li sobre a História da Psicanálise em Portugal? Idiota! Só pensou no "Suicídio"! Lembra cacete! Lembrei! Tudo começa com Egas Moniz, depois Cid Sobral neurologistas, e tchan! Pedro Luzes, ai...e Portugal e Espanha tiveram um percurso diferente dos outros países da Europa, o desenvolvimento da psicanálise ficou prejudicado por conta das ditaduras de Franco e Salazar, diferentemente das ditaduras latinos americanas, onde a psicanálise se desenvolveu a despeito da falta de liberdade, condição indispensável para a psicanálise. LEMBREI!
       Primeira mesa, ao contrário da roupa p/ o Santa Maria optei por algo chique mais confortável que me permitisse percorrer longas distâncias a pé. Estava com uma blusa de linha preta, calça de linha preta, colar de madrepérolas, sapatênis branco/verde/azul e tchan...minhas indefectíveis meinhas ( tenho uma coleção hilária: elefantes, rinocerontes, vaquinhas) mas sob as calças não apareciam. A desse dia era branca com corações rosas e cupidos. Rsrssss  sentei para ouvir a primeira mesa e ver o nível do povo. Ao meu lado na platéia, um homem de terno/gravata, depois fui saber era nada menos, nada mais que o Presidente da Asociação Brasileira de Psicanálise. Sentada, prestando atenção, cruzei a perna, ahhh a meinha apareceu. Um calafrio...o Dr. ao lado deve ter pensado: quem é essa retardada? Será portuguesa? Brasileira?
     Segunda mesa me pirulitei, fui comprar uma roupa que tinha visto, e como ia embora dia seguinte seria: ou now ou never! Correndo p/ chegar a tempo.
      Minha mesa: uma portuguesa, dois brasileiros e...O Pedro! , os brasileiros fizeram um retrospecto interessante. Então o Pedro Luzes, que eu já tinha marcado na apresentação, contou a história da psicanálise, mas quando chegou nele foi modesto. Ele estava a minha direita. Quando ele terminou, falei assim:
Ahh...não! você foi muito modesto, eu vou melhorar isso! Viro para a platéia e digo o seguinte: Egas Moniz introduziu a psicanálise em Portugal, ao contrário de Freud que teve tantas resistências as suas idéias, Egas Moniz que dá nome a essa avenida aqui na cidade universitária, teve uma grande acolhida pelos portugueses, foi contemporâneo de Freud e lançou um livro sobre sexualidade na década de 20 que foi best seller chegando a ter 10 edições, depois dele veio Cid Sobral, mas ambos recuaram para a neurologia quando o regime político mudou.( os portugueses não sabiam...) E esse homem aqui ao meu lado, não recuou. A despeito da ditadura e da dificuldade em exercer a psicanálise continuou em sua trincheira. Eu como psicanalista, como cidadã brasileira e portuguesa me sinto honrada de partilhar a mesa com uma figura dessa importância para a psicanálise, não só a de Portugal, mas a Psicanálise.
   Fui aplaudida, bastante, rsrsss
   E o presidente da associação( o da platéia/meia) que agora estava na ultima fila na platéia, parte em minha direção e pergunta: “ quem é vc?” Isis-quem é vc e de onde?- isis, de niterói,]
De que sociedade? -Ah...da Rio 1. Estende a mão e diz: “meus parabéns! Que bom alguém lembrou de homenagear o Pedro Luzes” . Depois de mais uns cumprimentos, vou ao wc, lá fora um paulista reunido a um grupo me olhando pergunta:” a sra. É de Lisboa mesmo ou de outra cidade daqui?”- Eu: o sr. Está perguntando isso por conta do meu sotaque, ou do meu bigode? ( vc sabe que as portuguesas são famosas pelo espesso buço)
Ele atônito: “ah???” eu: meu amigo, sou brasileira, moro em niterói...ele”:mas a sra. Disse como cidadã portuguesa, e algumas nem tem tanto sotaque...( acho que ele pensou que estudei português do Brasil, rsrsss) então expliquei: eu disse cidadã brasileira e
Portuguesa.
  Não me livrei das dores como o O., mas voltei fortalecida para ser pai e mãe, e tocar minha vida. Obrigada Portugal...ora pá!